No dia sete de maio decorreu, no auditório
grande da escola, uma atividade, realizada em parceria com a Biblioteca da
escola, com o objetivo de homenagear e divulgar o livro Haja Luz! Uma
História da Química Através de Tudo, com a presença do seu autor, o Senhor
Professor Doutor Jorge Calado, que gentilmente aceitou o nosso convite.
O Senhor Professor Doutor Jorge Calado
licenciou-se em química no Instituto Superior Técnico e doutorou-se em química
pela Universidade de Oxford.
Foi professor catedrático de
química-física no Instituto Superior Técnico e professor catedrático adjunto de engenharia química na Universidade de Cornell, NY.
Tem uma vasta obra científica publicada em
revistas internacionais e é membro de várias comissões científicas
internacionais (no âmbito da IUPAC, Conselho da Europa, OTAN, INTAS e EU).
O seu interesse nas relações entre as
ciências e as artes, levou-o a reger cursos neste âmbito na Universidade de
Cornell e no Instituto Superior Técnico.
É crítico cultural do semanário Expresso
desde 1986 e fundou a IST Press.
Em 1987, a pedido da Secretaria de Estado
da Cultura, criou a Coleção Nacional de Fotografia.
Comissariou mais de 25 exposições de
fotografia na Europa e EUA.
Adaptado de :Calado, J. (2015). Haja Luz! Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
Os alunos Afonso Vicente, Artur Duarte, Caetano Lopes, Diogo Torres, Edgar Duarte, Eduardo Martins, Gonçalo Rodrigues, Inês Fancaria, João Galupa, Margarida Lopes, Mariana Antunes, Mariana Pinto, Mariana Rodrigues, Rafael Dias e Susana Santa Rita, do 11º ano, efetuaram a leitura de alguns textos do livro Haja Luz! Uma História da Química Através de Tudo e/ou realizaram duas pequenas representações no âmbito da referida obra.
A reportagem fotográfica foi efetuada pelos alunos Sofia Pereira e Rodrigo Ferreira também do 11º ano.
O Senhor Professor Doutor Jorge Calado acompanhou
e apoiou os alunos durante toda a atividade intervindo frequentemente à medida
que as leituras iam sendo efetuadas, dando esclarecimentos e fazendo o
enquadramento do que estava a ser lido. Falou-nos também da sua experiência
como académico, de ciência, de ética e de arte.
No dia sete de maio na Escola Secundária
José Saramago …
Coleção particular do Sr. Professor Doutor Jorge Calado |
"Os sentidos dialogam e misturam-se. Ver e ouvir podem ser sinónimos. A 29 e 30 de Abril de 1798 ouviu-se a luz! Aconteceu em Viena, no Palácio Schwarzenberg, durante o ensaio geral e estreia da oratória de Joseph Haydn, A Criação, sob a direcção do compositor. A explosão coral e sinfónica que acompanha as palavras Und es ward Licht! (E fez-se luz!) foi recebida com uma trovoada de aplausos. O sexagenário Haydn regeu a orquestra à moderna (isto é, com batuta), e teve o respeitado Maestro da Capela Imperial, Antonio Salieri, ao piano. Mais tarde, ao tentar descrever o seu estado físico e mental durante a execução da partitura, recorreu à linguagem termodinâmica da época: “Ora me sentia frígido como o gelo, ora a arder cheio de calor, e mais do que uma vez receei estar prestes a sofrer uma apoplexia”. O sopro do génio flui, muitas vezes, entre uma fonte quente e uma fonte fria."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
"A Criação de Haydn representou uma nova
imagem e uma nova percepção do universo, com a luz como símbolo maior dessa
nova consciencialização. Van Swieten aconselhara o compositor a descrever, por
música, um desvanecimento gradual das trevas, de modo a que o aparecimento da
luz fosse dramático e espectacular. E assim foi: Haydn fez explodir a
palavra LUZ com um verdadeiro big-bang
sonoro - orquestral e coral - na tonalidade alegre e triunfal de dó maior. E o
Espírito de Deus pairou sobre as águas. E Deus disse: Faça-se luz! E fez-se
luz. E dividiu Deus a luz das trevas."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
"Carl Scheele é um dos heróis da química. De origem modesta (tinha
dez irmãos), sem educação que se visse, circunscrito à província sueca,
contribuiu mais para o progresso da química do que qualquer outro colega desde
então. Descobriu (ou co-descobriu) sete elementos: além do oxigénio, o
nitrogénio, cloro, bário, manganésio, molibdénio e tungsténio. Identificou
gases como o fluoreto de hidrogénio (HF), o sulfureto de hidrogénio (o
malcheiroso e ultravenenoso gás sulfídrico, H2S), o tetrafluoreto de
silício (SiF4) e o fatal cianeto de hidrogénio (HCN). Preparou,
purificou e caracterizou muitos compostos orgânicos, entre eles o glicerol
(glicerina) e os ácidos benzóico, oxálico, tartárico, prússico, múcico,
cítrico, gálico, pirogálico, láctico e úrico. (Regalem-se com os nomes, que
valem um poema!) Sintetizou (1778) o arsenito de
cobre (CuHAsO,) - um pigmento verde conhecido como “verde- de-Scheele”. E foi o primeiro a estudar o efeito da luz nos sais de prata (que enegrecem, por um processo inverso ao da oxidação,
chamado redução), base da futura invenção da fotografia. Tudo isto em cerca de
trinta anos de vida activa."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
"Scheele nasceu em Stralsund, na Pomerânia
(então parte da coroa sueca), a 9 de Dezembro de 1742. Aos catorze anos foi
para aprendiz dum boticário em Gotemburgo. Começou a ler livros de química e a
fazer experiências. Em 1765, a botica foi vendida, e Scheele arranjou emprego
noutra farmácia em Malmo, onde prosseguiu as suas investigações. E assim foi
andando, de farmácia em farmácia - Estocolmo em 1768, Uppsala em 1770 - até se
estabelecer definitivamente em Köping em 1775, agora como boticário superintendente. Era já um químico
reputado, eleito membro e recebido na Academia Real das Ciências Sueca, na presença
do rei, em 1775."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
"Apesar
das inevitáveis rivalidades com os praticantes de medicina, os boticários eram
uma classe respeitada. Por outras palavras, podiam ser caricaturados. Meus
leitores, estamos ainda no século XVIII, onde a melhor forma de elogio era a troça e a piada.
Lembram-se d’0 Mundo da Lua de Goldoni e
Haydn, que ridicularizava os astrónomos e lunáticos de boa fé? Pois bem, os
mesmos autores deram-nos 0 Boticário (“Lo Speziale”, 1768), a primeira ópera
composta por Haydn para a corte do Príncipe Miklós József (Nicolau José)
Eszterházy, em Eisenstadt. (Pela mesma altura, o boticário Scheele realizava as
suas primeiras investigações importantes em Estocolmo.) A intriga da ópera é
simples e não foge muito aos padrões habituais: uma menina prendada, Grilletta,
requestada por três cavalheiros - o velho, o rapaz e o fidalgo. O velho é o
boticário Sempronio, que acumula com a tutoria da donzela; o rapaz é o seu
aprendiz, Mengone; completa o triângulo, o fidalgo Volpino, cliente da botica.
Escusado será dizer que é a juventude quem leva a melhor à veterania e à
fidalguia."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
Representação “O Boticário”:
Mariana Rodrigues – Grilletta
Gonçalo Rodrigues – Sempronio
Eduardo
Martins – Mengone
Artur
Duarte – Volpino
Música: Ópera “O Boticário” de Joseph Haydn
"Sabendo a estrutura das moléculas e o modo como elas interactuam é
possível determinar, com recurso à física e à matemática, as propriedades das
substâncias e a sua reactividade. É este o objectivo da química. Pelo que fica
dito, parece que sem física e matemática não haveria química. A química surge,
pois, após o nascimento daquelas duas ciências. A verdade é que as ciências não
são ilhas, isto é, não se desenvolvem isoladamente umas das outras. As ciências
são inseparáveis. Até há quem pense que são inseparáveis dos homens e das
mulheres que as criam - os cientistas.
A matemática é a linguagem (a música) das ciências. É o
instrumento que lhes dá voz e as faz cantar. Sem matemática não há ciência, há
pré-ciência (como a pré-história, antes da escrita).
O químico pega numa ou mais moléculas - no laboratório ou no
computador - arranja um modelo, aplica a física, resolve as equações e tem o
resultado. Claro que os fenómenos químicos existem desde que se formaram as
primeiras moléculas, mas ciência implica compreensão quantitativa desses
fenómenos; não chega apenas a sua descrição qualitativa.
Há, pois, uma hierarquia científica que está ligada à complexidade
dos problemas. É preciso notar, porém, que simplicidade não é sinónimo de
facilidade (embora a complexidade implique quase sempre dificuldade). Há
problemas conceptualmente muito simples (fáceis de entender) que são muito
difíceis de resolver."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
"Na base da pirâmide dos saberes estão as ciências mais básicas,
exactas e duras. A sua dureza faz com que aguentem as ciências que vieram
depois. A pirâmide vai crescendo em altura, sendo-lhe sucessivamente
adicionadas as ciências mais recentes e moles. A química explica-se com a
física e a matemática; a biologia, com a química, a física e a matemática; a
psicologia, com a biologia, a química, a física e a matemática, e assim por
diante. A complexidade crescente do problema percebe-se
na sequência: átomo (física) molécula (química), célula (biologia), planta
(botânica), etc. O peso das ciências mais novas faz endurecer as ciências mais
velhas, sobre as quais aquelas se apoiam. Com o tempo, as ciências moles também
endurecem, isto é, tornam-se mais rigorosas e matematizadas, permitindo o
aparecimento de novas ciências moles. Esta é, obviamente, uma descrição
metafórica, mas que ajuda a compreender, em termos muito gerais, a evolução da
pirâmide ou árvore das ciências.
No seu livro sobre A
Renascença (1873), o esteta e crítico de arte Walter Pater declarou que
todas as artes aspiram à condição de música. Mutatis, mutandis, pode
afirmar-se também que todas as ciências aspiram à condição de matemática."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
Representação “A pirâmide dos saberes”:
Químicos – Afonso Vicente e João Galupa
Físico – Caetano Lopes
Matemático – Rafael Dias
Bióloga – Susana Santa Rita
Psicólogo – Edgar Duarte
Música: Ópera “A Criação” de Joseph Haydn
https://www.youtube.com/watch?v=VQZVhZ66v4Q
https://www.youtube.com/watch?v=VQZVhZ66v4Q
"Os físicos têm a sorte de saber o ano (e até o dia) em que a sua
ciência nasceu. Sabem também o nome da mãe (que, por acaso, foi um pai). De
facto, Einstein chamou a Galileo Galilei o pai da física moderna, e é hoje
ponto assente que esta nasceu no fim do Outono de 1609, quando Galileo apontou
pela primeira vez o seu recém-construído telescópio à Lua e declarou que o
satélite da Terra era “uma coisa muito bonita e agradável de se ver”. O
caminho estava aberto para a observação directa do universo e obtenção da prova
experimental de que o modelo heliocêntrico de Nicolas Copernicus devia
substituir o velho modelo geocêntrico de Ptolomeu de Alexandria. Por outras
palavras, que o centro do nosso universo próximo (aquilo que hoje é designado
por sistema solar) é ocupado pelo Sol (Helios) e não pela Terra (Geos).
Diga-se, de passagem, que refinamentos do antigo e errado modelo davam melhores
resultados (mais de acordo com as observações experimentais) do que as versões
grosseiras do modelo novo, matematizado por Johannes Kepler. Foi também isto
que permitiu que a controvérsia da Terra a girar à volta do Sol ou o seu
inverso se arrastasse durante décadas.
O nascimento da física moderna aconteceu na altura certa. Vindo da
China, o uso de lentes para óculos tornara-se corrente na Europa durante o
século XVI. Em 1480 Domenico Ghirlandaio pintou um São Jerónimo à secretária,
na qual figura um par de óculos - o suficiente para que o santo ficasse
padroeiro dos oculistas."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
JOSEPH WRIGHT OF DERBY – Uma Experiência com um pássaro da bomba de ar (1768)
"A experiência está em curso. O demonstrador tem na mão a torneira
de vidro da campânula ou globo de vidro; se a abrir a tempo, a cacatua
reanimar-se-á. Vê-se a gaiola original pendurada perto da janela e o assistente
a pegar nela (não se sabe se para a trazer para recolher o pássaro reanimado,
ou para a pendurar na parede se o destino for a sua morte). As reacções da audiência
são variadas. No centro, um pai (?) consola as filhas (uma delas tapa os olhos,
a outra está fascinada). À esquerda, um miúdo, com a atenção presa, contrasta
com um par de namorados, obviamente mais interessados um no outro do que na
ciência viva. O sujeite em primeiro plano, à esquerda, tirou o relógio para
cronometrar a experiência. Uma caveira de dentes cariados, imersa num frasco em
forma de sino, esconde a vela que ilumina a cena (não esqueçamos que Wright era
um mestre da luz indirecta). Em primeiro plano, em cima da mesa, destaca-se uma
verdadeira natureza-morta de acessórios científicos: o apagador da vela, um
frasco meio cheio com um líquido qualquer (óleo?), uma rolha, um par de
hemisférios de Magdeburgo."A experiência a que se refere o quadro de Wright consiste em
colocar uma ave viva num recipiente fechado, extrair a maior parte do ar e verificar que o animal estrebucha e morre se o
ar não for restabelecido a tempo. Conclusão: o ar, ou pelo menos um dos seus
componentes, é essencial à vida. O que está representado na pintura não é um
pardal qualquer, mas sim uma cacatua branca, uma avis rara na Inglaterra
dessa época. Não é crível que o experimentador arriscasse matar uma ave
valiosa. A escolha é uma espécie de licença poética do pintor - o branco das
penas contrasta melhor com as sombras e o ambiente nocturno do quadro.
Adivinha-se a noite de Lua cheia através da janela aberta no canto superior direito da imagem.
Que faz ali a caveira? Dá a
chave para o entendimento subliminar do quadro. Repare-se, ainda, como a vareta
que a acompanha (notar a refracção no líquido) funciona como ponteiro, guiando
a vista para o dedo indicador do velho demonstrador. A vela marca a passagem do
tempo; a caveira é um símbolo de mortalidade. Velho, pássaro moribundo,
caveira, vela – a mensagem não pode ser mais clara. Esta pintura é aquilo a que
é costume chamar uma vanitas (de
vaidade). São transientes as glórias do mundo. A morte é o grande igualizador."
Calado, J. (2015). Haja Luz!
Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST PRESS.
"A física, tal como a química -
lembram-se ainda do Princípio da Conservação da Energia? - sempre foi uma
ciência de gente nova. Ou era, nesses tempos. Aos vinte e poucos anos, muitos
já tinham produzido vários de seus melhores
trabalhos. Bohr publicara o seu artigo sobre a estrutura do átomo em 1913, aos
vinte e oito anos (e não fora especialmente precoce); Pauli doutorou-se aos
vinte e um e descobriu o Princípio de Exclusão aos vinte e cinco; Heisenberg
formulou o seu complexo tratamento matricial da mecânica quântica aos vinte e
quatro. A física era realmente uma Knabenphysik (física de rapazinhos),
como diziam os Alemães. Na reunião de 1932, as figuras patriarcais eram o
anfitrião, Bohr (que ainda não perfizera quarenta e sete anos), e Paul
Ehrenfest, o professor da Universidade de Leiden a quem chamavam a ‘consciência
da física’ (com cinquenta e dois). Os ‘jovens turcos’ eram o atlético
Heisenberg (com trinta anos), o ascético e mágico Dirac (com trinta e um) e
teria sido também o sarcástico e corrosivo Pauli (a quem chamavam o ‘Flagelo de
Deus’, com trinta e dois), se ele, como bon vivant, não tivesse
preferido fazer umas férias. Depois, havia a geração dos novatos como Max Delbrück (um dos futuros pais-fun- dadores da biologia
molecular, então com vinte e cinco anos), Rudolf Peierls (com vinte e quatro)
ou George Gamow (com vinte e oito). Este último também não pôde estar
presente porque os soviéticos não lhe renovaram o passaporte. A geração dos
trinta anos já sentia a pressão da geração seguinte - que, na física, teria
apenas quatro ou cinco anos menos."
Calado, J.
(2015). Haja Luz! Uma História da Química Através de Tudo. Lisboa: IST
PRESS.
Ao Senhor Professor Doutor Jorge Calado agradecemos a sua
disponibilidade e simpatia bem como a manhã magnífica que nos proporcionou.
Obrigada por tudo o que nos ensinou. Tal como Haydn o Senhor Professor
faz explodir a palavra LUZ!